"Algumas pessoas nos roubam... Outras nos devolvem. ”
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Arte de Gabriel Picolo. Acompanhem ele na página oficial no Facebook. |
O Deus, A garota, O Homem e O Garoto.
Era uma vez um deus. Um guerreiro poderoso, feroz e
implacável. Não havia batalha da qual fugisse e nenhum inimigo que temesse
enfrentar. Desconhecia a derrota e isso o tornara arrogante e insensível
àqueles que se mostravam menos confiantes diante da guerra. Este deus, no
entanto, sabia que seu poder estava diminuindo. Precisava de uma fonte que o
renovasse, que o mantivesse senhor de seu trono. Era tolo por não saber que o
tempo dos deuses havia há muito passado. E nesta tola busca por algo que o
mantivesse invencível, aprendeu que os mortais detinham um poder o qual ele
nunca havia experimentado em sua plenitude. Amor. Amor era poder, mas para isso
era necessário sacrificar sua divindade, se permitindo ter um coração humano. E
isso foi o que fez, pois percebeu que aqueles que partilhavam o poder dos
corações viviam para sempre e se fortaleciam com o passar dos anos. O Deus
então se tornou um garoto...
Era uma vez um garoto com um coração partido. Como
todos os corações, este fora partido por um amor perdido. O garoto não
compreendia ao certo o que havia feito para que merecesse destino tão cruel.
Tudo o que havia sido, toda sua força, confiança e coragem jaziam estilhaçadas
a sua volta. Apenas pequenos fragmentos do ser completo que acreditara ser,
podiam ser vistos agora, e ele convivia com uma dor que nunca antes havia
sentido, nem mesmo sabia que era possível experimentar tamanha agonia.
Então, em meio a seu tormento, uma garota o amou. E
ao ama-lo, ela o ensinou que havia beleza mesmo na dor e na perda. A garota o
fez compreender que era possível construir algo sólido e belo sobre o que
parecia quebrado, isso o acalmou e o fortaleceu. Ela trazia cores em seus olhos
que fez questão de partilhar. O garoto percebeu que estivera cego para o mundo
e não o compreendia, embora antes acreditasse compreende-lo melhor do que todos,
vestígios de ser um deus... E sem hesitar nem por um segundo, a garota deu ao
garoto tudo de melhor que havia em si. Ela o emprestou seus olhos que
enxergavam mais cores do que quaisquer outros, e também lhe emprestou seu
coração, para que o garoto pudesse continuar amando, enquanto o seu próprio
coração em pedaços, descobria uma maneira de se recuperar. Em troca, o garoto
ensinou a garota a batalhar. Ele a auxiliou numa jornada onde ela encontraria
seu próprio poder e força. Como amor e guerra, os dois eram perfeitos juntos e
até os cegos podiam enxergar isso. A garota se tornou uma guerreira, e o garoto
se tornou humano. E se tornando humano, o garoto se transformou em um homem.
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Arte de Jéssica Ferreira. Acompanhem ela no blog Dente de Leão. |
O Homem, em uma de suas viagens, encontrou um
garoto. Este garoto o amou, e com o tempo, o homem usou seu coração emprestado
para ama-lo de volta. O amava com a doçura, a leveza e a coragem que o coração
emprestado da garota tinha. O homem temia pelo garoto, pois este o lembrava de
como seu coração havia sido partido e ele não desejava que este garoto sentisse
a dor que ele um dia sentira. O garoto nada temia e tudo confiava, não
enxergava consequência ou perigo e isso fascinava, aborrecia e amedrontava o Homem
na mesma medida. O garoto ria de coisas tolas, fugia daquilo que achava difícil
demais e muitas vezes sacrificava a si mesmo para fazer aqueles a sua volta
contentes. O Homem admirava as capacidades do garoto, mas temia por sua
integridade, então o levou a uma busca por equilíbrio. O Homem mostrou ao
garoto autenticidade e rebeldia, o assegurando que seria amado sem que
precisasse ser nada além da melhor versão de si mesmo, uma lição que este havia
aprendido com a garota.
O garoto
começou a crescer enquanto aprendia segredos sobre honestidade, coragem e
batalhas. Com sua amizade, porém, sem nem mesmo se dar conta do que fazia, o
garoto reuniu todos os pedaços partidos do coração daquele homem e os emendou
com um abraço. E o homem, ao ter seu coração devolvido, percebera que ele
estava mais forte, que era inteiro mais uma vez. O homem era mais uma vez,
capaz de amar, e agora, muito mais verdadeiramente do que jamais fora, mas seu
coração nunca mais seria o mesmo, pois ele não era mais só dele. Aquele coração
tinha a força e as cores que vinham da garota, e também a inocência e bondade
que vinham do garoto. O homem então percebeu que só era inteiro por que
partilhava partes daqueles que amava e o amavam, e isso o tornava melhor. Ainda
era ele mesmo, mas uma melhor versão de si.
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Foto tirada por Gabriel Araújo. |
Era uma vez um garoto com um coração partido. Uma
garota o amou e o presenteou com seu coração, cores, colo, coragem e
companheirismo, e ele se tornou um homem. Era uma vez um homem com um coração
emprestado. Um garoto o amou e com um abraço lhe devolveu seu coração, e aquela
doçura e inocência tornaram o homem inteiro novamente. Então surgiram as flores
do outono e o mundo renasceu do amor daquelas três pessoas.
-Miguel
Otimo texto. Sabias palavras. Acho lindo como uma pessoa pode completar outra. E acho mais li do ainda como voce comergue expresar isso tao bem. Meus parabens.
ResponderExcluir<3 você escreve bem demais querido! *-*
ResponderExcluirOi Alan,
ResponderExcluirJá li seu texto diversas vezes. E cada vez me aproprio de um sentimento diferente. Claro, nunca nos banhamos nas mesmas águas de um rio. Da primeira vez que eu li, embora tenha achado um texto muito bem escrito e gostoso de ler, não me trouxe nenhuma empatia. Já da segunda vez, com meu coração partido, pude me compadecer do homem.
Todas as vezes que eu li quis saber mais do deus. No final, você retoma a história do homem, do garoto e da menina, mas não menciona o deus. Ele afinal se transformou no garoto? Aprendeu a amar? Estas questões nada têm a ver negativamente com seu texto, pelo contrário, o seu texto que me faz querer saber além do que foi dito. O que é próprio dos bons textos. Aquele gostinho de quero mais.
Na Bíblia, Jesus nos ensina que devemos amar ao próximo como a nós mesmos. E muitos acham que isso quer dizer que devemos nos amar para podermos amar ao próximo. Eu concordo com a sua linha de pensamento, ou melhor com a linha do seu texto. Quando o homem dedicou tempo ao garoto que passou a aprender a se amar, se perdoar e aceitar a melhor versão de si mesmo.
Lembrei da música da Jessie J, Masterpiece.
Muito bom. Brilhante. Gostei muito das transições que você fez no texto do deus para o homem, do homem para a menina e da menina para o garoto. E também gostei do fato de você ter escolhido o outono para o recomeço do mundo. Afinal, antes do fim, ainda dá tempo de aprender a amar.
Beijos!