Eu Não
Sou Como Eles
Eu
caminho pelas calçadas dentro do campus da St. Cecilia University e observo as
pessoas a minha volta. Os hippies próximos ao Casebre, sorrindo e discutindo o
que fariam se pudessem mudar o mundo, os cientistas e teóricos a volta d’A
Caixa, todos parecendo ocupados demais para olhar para o lado, e todos os
amantes da vida andando despreocupados pelo Bosque. Enquanto eu caminho, uma
frase se repete no fundo de meus pensamentos, forte, coerente e sempre
presente: Eu não sou como eles.
Não
há nada de incomum nessas palavras, eu as sinto, as ouço e as vivo desde que me
entendo como um ser humano. Porém elas têm uma profundidade maior agora, uma
dimensão que antes não se aplicava. Eu não sou como eles, e agora eu não sei ao
certo porquê.
Quando
meus avós vinham me visitar e ao me levarem para tomar sorvete na barraca perto
do coqueiro torto na praia, todos nos olhavam e se perguntavam o que eu fazia
ao lado deles. Minha pele era diferente, os meus olhos eram claros, meus
cabelos eram lisos e minhas feições não se assemelhavam às de minha abuela, tampouco com as de meu avô. E
embora o olhar dos outros me ferisse, eu compreendia a razão: eu não era como
eles.
Quando
meu pai me levou a um jogo de baseball, e um dos seguranças perguntou aonde ele
estava me levando e onde estavam meus pais, eu senti uma raiva imensa, eu senti
a vergonha e a revolta que acometeram meu pai (que inclusive ameaçou processar
o segurança), mas não havia maneira de culpar o homem por não reconhecer que um
homem negro poderia ser o pai de uma criança como eu, afinal, eu não era como
ele.
Quando
os pais das crianças latinas perguntavam quem era o gringo com o qual elas
estavam brincando e se surpreendiam ao me ouvir falar em espanhol, quando eu ia
a igreja e era irritantemente comparado a figura do que uma história racista
dizia que se assemelhava a um anjo, quando não entendiam a razão de eu ter um
nome africano, um nome do meio latino e um último nome americano, quando me
questionavam, “Quem são seus pais de verdade?”, ou “Por que você não foi adotado
por uma família da sua raça”, mesmo que isso me corroesse por dentro, eu ainda
era capaz de entender de onde isso vinha, eu não era como eles.
Agora,
eu estou na universidade. Existem centenas de pessoas aqui e poucas delas
vieram do mesmo lugar. Elas têm religiões diversas, aparências diversas,
sotaques diversos. Um mundo de pessoas com histórias, sentimentos, visões de
mundo e objetivos diferentes. Em meio a tanta diversidade eu não sou mais um
estranho, e por essa razão eu não consigo entender por que eu ainda me sinto
como se eu não fosse como eles. Como se eu não pertencesse. Se eu pedisse
conselhos para algum dos meus colegas de quarto, talvez ouvisse que eu devia me
abrir mais, dar tempo ao tempo, ou simplesmente ir fazer exercício e parar de
pensar sobre isso. E talvez os três estivessem certos no que dissessem.
Eu
confio que, quando eu estiver pronto para ouvi-las, as respostas me serão
dadas. Eu tenho fé de que encontrarei meu lugar. Talvez tudo isso seja apenas
saudade de casa. Eu penso na criança que quase levou os pais a loucura,
testando o comprometimento deles em me acolher em uma família. Eu não sou mais
aquele garoto. Mas até o fim do ano letivo no ano passado, meu último no
colegial, eu tinha certeza de quem eu era e do que eu queria. Agora eu estou
longe de casa, e cada dia me trás novas oportunidades, novas descobertas e uma
nova dose de dúvidas. Eu olho para o garoto de 365 dias atrás, aquele que se
olhava no espelho apenas para desviar a vista, descontente com a figura que via....
E eu não sou como ele.
K. L.
Adorei o texto... muito bom a sensação de estranheza e exclusão que ele causa em qualquer tipo de "rótulo".
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