Maus Sentimentos - Parte I: Raiva





Eu sempre preciso agradecer aos meus amigos no que tange as minhas inspirações. Já faz um longo tempo desde quando escrevi algo com a única intenção de publicar aqui no blog. Por diversos motivos ele não tem sido atualizado, mas chegou uma nova era. Hahahaha. Tudo bem, sem grandes promessas, mas surgiram novas ideias e seu estou em um bom momento para coloca-las aqui. A primeira ideia é uma série de posts do qual este será o primeiro.
O tema para essa série veio de muitas conversas que tive e que me permitiram observar algo que demorei a ouvir, mas que quando escutei fez total sentido: nós não sabemos lidar com maus sentimentos. Se servir de consolo, não é nossa culpa, simplesmente nunca nos ensinaram a fazer isso. Meu plano é usar das minhas experiências pessoais, conhecimentos adquiridos na vida e das minhas inseparáveis referências à cultura pop, para tentar explorar por um ângulo diferente aquelas coisas que sentimos e preferimos negar: raiva, inveja, rancor, tristeza, carência e toda a miríade de sentimentos que normalmente tentamos varrer para debaixo do nosso tapete emocional. Espero contar com vocês para mais essa jornada.



Maus Sentimentos
Parte I: Raiva

Eu costumo dizer que se estou com raiva então estou normal. Eu e ela temos uma looooooonga e profunda relação. Quando digo que estou sempre com raiva eu estou brincando (mas é sério), com o fato de este ser um sentimento com o qual lido constantemente. Eu não sou calmo, só controlado, e tento não quebrar tudo quando vejo vermelho, mas que dá vontade, dá.... A verdade é que para mim, a raiva foi por muito tempo uma questão de sobrevivência, eu devo a ela a minha força para não sucumbir aos sofrimentos impostos por um pai abusivo. Também entra na conta da raiva a minha energia para bater de frente com preconceitos e injustiças que eu ou aqueles próximos a mim são expostos. Falando assim até parece algo legal, né? Tipo um superpoder. Não nego que as vezes a sensação é essa mesmo, outras vezes é só mais um caminho para ficar de cama com dores de cabeça excruciantes, gastrite atacada e todo tipo de coisa que vem de brinde pelo meu temperamento.

 

A raiva é um forte mecanismo de sobrevivência, mas a lógica do sobrevivente é uma armadilha fácil na qual se aprisionar. Nos viciamos em encarar tudo como uma batalha, vencer ou morrer. A vida não é para se sobreviver, é para ser vivida, infelizmente, as vezes ela fica tão difícil que acabamos por esquecer isso completamente. A raiva nos protege da dor e nos fortalece para enfrentar aquilo que tenta nos quebrar, mas para sermos humanos e para crescermos, também precisamos aprender a ser vulneráveis. É muito tentador permitir que a raiva, em toda sua força e grandiosidade se torne nossa identidade, faz parecer que não nos machucamos, mas a primeira coisa que sentimos quando o sangue esfria é a dor, seja esta de cabeça, nos músculos ou emocional. E como nós temos medo da dor... de agulhada no médico a coração partido.



Eu fui ensinado, assim como a maioria de nós, que não devo ceder aos impulsos da raiva. Não posso xingar o coleguinha babaca, não posso bater a testa das pessoas no meio-fio, não posso fazer o alvo da minha irritação almoçar os próprios dentes... E bem, tá, eu não posso, mas não é como se saber disso fosse fazer minha raiva sumir. Gente, eu sou de áries! Foi só a poucos anos que eu aprendi algumas lições valiosas, não apenas sobre a raiva, mas sobre todos os maus sentimentos que carregamos, e uma delas veio de uma cantora que admiro muito, Alanis Morissette:

 
"Nós somos ensinados a sentir vergonha de [sentir] confusão, raiva, medo e tristeza; E para mim eles tem igual importância e valor do que [sentir] felicidade, excitação e inspiração, pois eles estão nos comunicando tantas coisas se pudermos apenas ouvir suas mensagens."


Nessa declaração, Alanis conseguiu expressar algo que passou a fazer parte de toda minha crença sobre aquilo que sentimos e me ajuda todos os dias a trabalhar o que carrego de positivo ou negativo: Nossos sentimentos são uma tentativa constante de comunicação vinda de nosso interior. As dificuldades começam quando ao invés de ouvir e tentar decodificar essas mensagens, somos ensinados a silenciar ou ignorar as vozes que carregamos no peito. Se pensarmos a raiva (bem como o medo, a tristeza e todos sentimentos que não gostamos de encarar) como parte natural de nós mesmos, talvez possamos trata-los com mais respeito. Sim, respeito. E equilíbrio também. Na minha experiência, se você não socar umas paredes e der uns berros as vezes, algumas pessoas não vão te levar a sério (tem gente que ainda precisa disso para ouvir o outro). Porém se você fizer disso um hábito, ninguém vai querer estar perto de você (com razão, ninguém é obrigado a aguentar surto dos outros de graça). De todos os nossos sentimentos, talvez este seja o mais complicado de se balancear, raiva demais te deixa doente e acaba por te isolar, ao passo que, nenhuma raiva diante de um mundo injusto além de te deixar indefeso, também não é sinal de saúde.

Como eu gostaria de poder resolver meus conflitos:


Ninguém é perfeito (meperdoabritney), agora vamos fazer um teste fácil de múltipla escolha porque eu sei que vocês tão bem atentos. Quando somos confrontados com algo desconfortável, e que não aceitamos bem em nós mesmos, nossa primeira reação é:

    A)      Procurar terapia e tentar entender o significado de tal coisa e os reais motivos de ela nos afetar.
     B)      Fingir demência, entrar em negação e fazer a Kátia cega.
     C)      Não sei, tô lendo isso porque me prometeram comida.

Se você respondeu A, tenha orgulho de si! Você está num saudável caminho de autoconhecimento. Se respondeu B, pode ter certeza que tem uma galera contigo então não se sinta mal. Se respondeu C, eu quero agradecer quem te subornou, cada leitor é um presente, por favor, me dê uma chance.



Vou contar um segredo: Sentir raiva não te faz uma pessoa ruim. Encontrar maneiras saudáveis e funcionais de expressa-la também não. Na moral? Eu prefiro a morte do que dar aquelas dicas good vibes, de respirar fundo, alinhar os chakras e beber chá, se funcionar para vocês beleza, mas meu caminho é outro. Joguem Mortal Kombat, soquem o travesseiro, gritem e xinguem o quanto puderem de preferência ouvindo Korn ou algo do tipo e daí vem a parte mais complicada, porém verdadeiramente efetiva: respire, beba água e comece a pensar por que você está sentindo o que sente. Não o que te fizeram, mas porque isso te afeta de tal maneira, onde é que a situação que você está faz doer para que você reaja se preparando para uma batalha. Freud escreveu uma vez: “A voz do inconsciente é sutil, mas não descansa até ser ouvida”. Ou seja: ou você descobre o que tá pegando aí dentro ou isso vai continuar te bagunçando indefinidamente.


É muito comum que tentemos proteger aqueles que amamos de nossos estados de espírito negativos e isso costuma se fundamentar na certeza de que não seremos compreendidos, se reforçando pelo medo de sermos abandonados ao expressarmos descontentamento. Uma dica: a longo prazo, honestidade é sempre a melhor política, com os outros e consigo mesmo. Para mim a raiva é a reação direta a me sentir atacado. Como sentir tristeza é algo incapacitante (nem sempre dá para sentar abraçando um pote de sorvete e chorar pelas mazelas da vida), raiva me coloca num caminho de ação. Só que nem sempre temos clareza sobre de onde vem esse ataque e acabamos reagindo de maneira desmedida e sem direção. Foi preciso muita terapia e meditação para que eu aprendesse a ler minha própria raiva e não deixar que ela fosse a guia das minhas decisões.



Às vezes a sensação de ser atacado vinha de se sentir solitário, ou abandonado, outras vezes vinha de expectativas frustradas, e algumas vinha de situações onde de fato a outra parte queria me ferir, inferiorizar ou magoar. Foi me deixando ouvir meu coração que eu aprendi a usar os segredos que ele me contava para tomar melhores decisões com a minha cabeça. Então se era uma expectativa frustrada eu pensava se aquilo que eu esperava era algo que haviam me prometido, ou algo que eu desejava e coloquei sobre o outro. Se era sobre solidão eu buscava comunicar aqueles dos quais eu sentia falta e tentar me aproximar, evitando cobranças, afinal todos temos vidas e ocupações. Se era uma real tentativa de ataque, eu buscava entender os motivos por trás daquilo, afinal eu mesmo poderia ter feito algo para que o outro sentisse precisar revidar, e nem todos tem as ferramentas que eu desenvolvi para lidar com o que sinto, era necessário ser maduro e refletir ao invés de simplesmente reagir.

EU TÔ CALMAAAAAA!


Digo para vocês que depois de passar por tudo que passei e aprender tudo o que aprendi, eu estou um total de 0% mais próximo de ser o Dalai-Lama. Eu ainda sinto raiva, eu ainda entro em discussões e eu ainda digo algumas grosserias, mas o que mudou é que não faço nada disso no escuro. O número de vezes que estourei com alguém que não merecia, foi para quase zero, e é muito mais fácil pedir desculpas quando eu sei que a pessoa realmente não tem culpa da minha insanidade temporária, o que só dá para descobrir se você analisar pelo menos um pouquinho a sua loucura.



Quero terminar esse texto dizendo que, embora as vezes pareça que não nos é permitido, ou que não temos o direito de sentir certas coisas, nossos sentimentos são reais e válidos. Você, eu e (o zoboomafoo), qualquer ser humano estamos sujeitos a toda a grande gama de emoções humanas, e nem sempre elas irão fazer sentido prático, mas se surgiram é por algum motivo e pretendem comunicar algo. Ouça. Se respeite, respeite os outros que ainda não aprenderam a ouvir e faça seu melhor para que sua raiva seja uma ferramenta de crescimento e te direcione para enfrentar tudo que te impedir de ser a melhor versão de você mesmo. Xena ficará orgulhosa, e o Wolverine também.
Fiquem com os anjos,
– Miguel

Comentários

  1. Não existem maus sentimentos, apensas sentimentos, isso é um fato. Sei que várias de nossas conversas te inspiraram nesse texto e agradeço por conseguir trazer o assunto de maneira leve. Alguns expressam sua raiva demais e outros de menos, mas todos sentimos, a questão principal é saber o que fazer com ela. Ótimo texto, aguardo ansiosa pelos próximos.

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  2. Amo seus textos e a forma despojada como vc aborda temas tão “polêmicos”. Sentimentos, que sempre somos condicionados a reprimir, estão aqui sendo discutidos de forma descontraída e ao mesmo tempo estimulando uma reflexão sobre nosso próprio cotidiano.
    Anciosíssima para os próximos!!!

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  3. Seus textos são sempre tão claros. Na maioria das vezes eles me trazem a sensação de que "é tão simples". Foi um prazer poder discutir um pouquinho disso com você. Transformar os sentimentos de raiva em um pouquinho de amor e carinho de vez em quando não faz mal pra ninguém. Li todo o texto com sua voz e seu jeito super característico de falar. <3

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  4. Lindo texto mano. Real...
    Gratidão por compartilhar de forma tão brilhante.
    Você conseguiu sair fora do "sentimentalismo" e ver as reflexões por fora. Sem esquecer-se do interior.
    Gostei muito da humanidade que deu ao seu texto.

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